Como o próprio
termo define, tolerar significa aturar o que se detesta. Assim sendo, a
intolerância é a rejeição explícita, em relação ao que se condena e deseja
combater. Mas, para que possamos compreender a intolerância religiosa em sua
profundidade, precisamos compreender, primeiramente, a neurose, a psicose e a
atuação dos mecanismos defensivos do ego e, no caso das relações
inter-religiosas, especificamente, os mecanismos de repressão e projeção.
Podemos
definir neurose como a distorção da percepção da realidade, gerada por cargas
emocionais negativas. A psicose, por sua vez, pode ser definida como a negação
da realidade, o que se caracteriza como severo comprometimento da sanidade
mental, dando origem ao fanatismo religioso, que tantos males já causou à
humanidade, através dos tempos.
Em
relação aos mecanismos de defesa, a repressão faz com que as pessoas mantenham
todos os seus sentimentos negativos sob rigoroso controle do ego, projetando-os
sobre as outras pessoas, e passando a combate-los no mundo externo. Este
comportamento apresenta, também, grandes conteúdos de medo, diante da
possibilidade da emergência dos próprios conteúdos emocionais, que não são
reconhecidos. Desse modo, percebemos que, no processo de intolerância religiosa,
o fanático combate nos outros tudo aquilo que não aceita em si mesmo. A essa
postura radical, podemos ainda acrescentar o orgulho (eu sou superior ao
outro), a vaidade (eu sei mais do que o outro) e a rigidez (eu estou certo o
outro está errado). Dissociado de sua própria sombra, ele se identifica apenas
com a pequena luz da sua consciência para, a exemplo do personagem D. Quixote,
combater os “moinhos de vento” do mal que projeta em seus semelhantes. Quando
esses terríveis conteúdos emocionais chegam a ser esvaziados e transformados
positivamente, através da psicoterapia (o que é raro acontecer, pois o fanático
também considera a psicoterapia como atividade maligna), torna-se possível
abrir espaço para o diálogo inter-religioso, campo de paz e encontro, que nos
permite compreender a religião do outro (o caminho escolhido, em um determinado
estado de consciencia, para se conectar com Deus), dissolvendo os preconceitos
(tudo aquilo que antecede o verdadeiro conhecimento) e ampliando a compreensão
dos termos específicos que fundamentam outras tradições, permitindo o
surgimento do amor e da compaixão em relação a tudo e a todos.
As
Tradições Religiosas, enquanto produtos da cultura humana, estão situadas nos diferentes estados em que
vibra a consciencia de cada ser humano, e todas, sem exceção, trazem
contribuições positivas, simbolizadas pela Escada de Jacó, a escada que conduz
o ser humano ao Divino, na qual um degrau não pode ser considerado melhor ou
mais importante do que outro. Aqui no Ocidente, estas são as mais conhecidas,
pelos objetivos que as caracterizam: Catolicismo: Servir a Deus através da
ajuda concreta ao próximo; Xamanismo e Candomblé: Servir a Deus através do
respeito às forças da Natureza; Umbanda: Servir a Deus através da humildade e obediência às entidades
espirituais; Protestantismo (tradições evangélicas): Servir a Deus através do
perdão e acolhimento do irmão; Logosofia e Espiritismo: Servir a Deus através
do estudo e compreensão das Leis Divinas; Filosofias Orientais (Budismo, Taoísmo,
confucionismo): Servir a Deus através da compreensão do Divino dentro do ser
humano; Teosofia: Servir a Deus através do comando positivo das energias
espirituais, através do Verbo.
O
que identificamos ao longo dos anos de pesquisas psicoespirituais, e que todos
os seres humanos têm luz e sombra dentro de si, trazendo para a escola da vida
a tarefa pessoal e intransferível de iluminar a escuridão da alma, com a
própria luz interior. Neste sentido, o caminho para o diálogo pacífico entre as
diferentes tradições religiosas depende da compreensão e respeito às liturgias
de cada cultura. Efetivamente, o que caracteriza o negativo, em qualquer
tradição religiosa, são as práticas de magia, em benefício de vantagens para o
ego do fanático que se deixa tomar pela vaidade e desrespeita o livre arbítrio
do próximo, ferindo o mandamento maior de colocar seus dons espirituais a
serviço de Deus (Não por mim, mas pelo Pai) descendo, evolutivamente, para o
nível das disputas de poder, que visam atrair para si e para seus interesses, o
maior número possível de adeptos que, por medo e insegurança, passam a seguir
cegamente suas orientações, perdendo o contato com o Divino, através de seus
próprios corações. Se cada líder religioso se dispuser a informar (formar por
dentro) a população sobre os principais significados da sua Tradição Religiosa,
muito poderá contribuir para que a ignorância, seja dissolvida à Luz da
Consciencia Divina que nos habita, nos
dá vida e nos torna semelhantes, expressando a beleza do Universo ( O Grande
Uno, que se manifesta no verso; na diversidade da experiencia religiosa. Que os
símbolos sagrados (tudo aquilo que nos une) possa nos aproximar dos Mestres de
Sabedoria da Humanidade, ao invés de serem transformados em armas para as lutas fratricidas da
intolerância religiosa, que se coloca a serviço dos diábolos (tudo aquilo que
nos separa).
Sueli Meirelles, em Nova Friburgo, 31/03/15.