O perfeccionista precisa aprender
a ser como realmente é em Cristo. Contudo quando se dispõe a ser como é de
verdade, ele se depara com suas piores falhas e precisa de um tratamento mais
incisivo e de uma reprogramação mais drástica.
A mais terrível conseqüência do perfeccionismo
talvez seja a alienação do verdadeiro “eu”. Vejamos como se inicia esta trágica
perda e como se dá.
Durante todo o processo de
crescimento, a criança recebe informações sobre si mesma, sobre Deus e sobre
outras pessoas, bem como seu relacionamento, com elas. Estas informações são
dadas de forma direta, ou captadas por ela, intuitivamente. A criança recebe
impressões diretamente através de palavras e ações, mas também pelo que se
deixa de dizer ou fazer. Geralmente, é a soma de vários fatores. E o pequenino
está sempre recebendo mensagens num processo lento mas constante, e bastante
inconsciente. Então, aquele que recebe mensagens negativas chega à seguinte
conclusão: “Não sou aceito nem amado do modo como sou. Já tentei todos os meios
de obter a aprovação dos outros, sendo como sou. Agora só poderei ser aceito e
amado se me tornar diferente, outra pessoa.” É óbvio que a criança não se
senta, pensa e conclui isto. Ela nem se dá conta do que está se passando, isto
é, que não está sendo satisfeita em suas necessidades básicas mais profundas,
necessidades criadas por Deus (registros inconscientes) e que são essenciais ao
desenvolvimento do ser humano. Ela nunca experimenta sentimentos de que precisa
muito, sentimentos como segurança, aceitação, ajustamento e valor próprio. A
necessidade que tem de ser amada e de amar a outras também nunca é satisfeita.
Em vez disso, forma-se nela uma crescente e profunda ansiedade, bem como
sentimentos de insegurança, desvalor e rejeição. E é assim, então, que o
adolescente começa a longa e tortuosa caminhada para tornar-se outra pessoa.
A tragédia disso tudo é que
a Individualidade daquela pessoa, a individualidade por Deus projetada para ela
não tem oportunidade de se desenvolver. Seus talentos próprios não são
expressos. Seu verdadeiro “eu” é sufocado ou rejeitado e no lugar dele aparece
um falso “eu”. Assim todas as energias espirituais que deveriam ser canalizadas
para a formação de uma personalidade própria, de acordo com a Individualidade
planejada por Deus, são desviadas para criar uma imagem falsa idealizada pela
pessoa. Infelizmente, este processo de autodestruição não é detido quando a
pessoa aceita uma religião. O perdão, a amorosa aceitação de Deus e a sua
misericórdia penetram apenas algumas das camadas mais externas deste “eu”
irreal, imprimindo-lhe um novo espírito de sinceridade. Mas quando a distorção
da personalidade é mais grave e as emoções sofreram traumas fortes, é
necessário haver uma cura mais profunda, pois muitas, vezes, aquele falso eu
passa também para a vida espiritual e se ajusta às novas experiências
religiosas.
O SUPER “EU” VERSUS O
VERDADEIRO “EU”
O que são o super “eu” e o
verdadeiro “eu”? O super “eu” é uma imagem falsa, idealizada, que acreditamos
precisar ter para sermos aceitos e amados pelos outros. O super “eu” é uma
idéia imaginária que temos de nós mesmos. O que acontece é que fomos levados a
crer que, se fôssemos nós mesmos, e se os outros nos conhecessem como somos,
não nos amariam, e então nos esforçamos para nos tornarmos esse super “eu”, a
fim de conquistarmos o amor e a aceitação dos outros. E ainda estendemos este
tipo de raciocínio distorcido até Deus, que é Perfeição Absoluta, que exige
perfeição, e a quem só podemos mostrar nosso lado bom. Só podemos deixar que
Deus veja o nosso super “eu” e nunca, o nosso verdadeiro “eu”.
Quando você entra na
presença de Deus, em oração ou meditação, qual dos dois “eus” você Lhe mostra?
Existem muitas maneiras
sutis de apresentarmos a Deus o nosso super “eu”, e ocultarmos o verdadeiro.
Uma destas maneiras é a FUTURÍSTICA. “Bem, Senhor, tu sabes disto e eu também o
sei. Ainda não sou este super “eu”, mas algum dia o serei. Algum dia serei este
super-cristão. Algum dia vou orar muito, ler muito e fazer coisas maravilhosas
para ti. Algum dia serei como esta imagem idealizada que tenho de mim. Serei o
super “eu”. Então, Senhor, não ligues para este verdadeiro “eu”. Ele é apenas
temporário. Olhe para aquele “eu” que ainda vou ser.
Existe também a maneira
PENITENTE. E é assim que o perfeccionista adquire a imagem própria negativa e
até o auto-desprezo. Diz ele: “Bem, Senhor, não olhe para o meu verdadeiro
“eu”, com todos estes pecados, falhas e imperfeições. Não olhe para ele, pois
está vendo o quanto desprezo este meu verdadeiro “eu”, não estás? E acredito
que tu também desprezas este meu verdadeiro “eu”, com todas as minhas falhas e
imperfeições. Mas tu sabes quais são as minhas metas, Senhor. Já que Tu odeias
este meu verdadeiro “eu”, como eu odeio, podes ver que estamos do mesmo lado e,
portanto, sou realmente o super “eu”. E deste modo, sutilmente, a auto-depreciação
se torna uma perpétua mortificação para impressionar a Deus. Então esperamos
que Ele nunca veja o nosso verdadeiro “eu”, mas olhe somente para o nosso super
“eu”. E como pensamos que deus não tolera este nosso verdadeiro “eu”, feio e
horripilante, e como estamos sempre dizendo a ele que também não o suportamos,
ele deve estar muito impressionado como nossos altos valores, deve perceber
como realmente somos e, portanto, aceitar-nos e amar-nos. O mal disto é que o
nosso verdadeiro “eu” ficou emocionalmente preso em algum nível da infância e é
por isso que nossa personalidade, às vezes, produz atitudes tão infantis.
Ficamos parados em algum ponto do passado; nunca crescemos realmente. É claro
que fisicamente temos o corpo de um adulto, mas espiritual e emocionalmente,
vivemos num plano de imaturidade.
O SUPER “EU” E OS
SENTIMENTOS
É na área das emoções que o
perfeccionista encontra seus problemas mais sérios, porque a imagem do super
“eu” não admite certos sentimentos. Geralmente, ele tem uma imagem de Jesus que
não é bíblica, de um Jesus manso, suave, dócil. É um Jesus mole demais, um ser
estóico, que suporta tudo e nunca exterioriza suas emoções. Então, ele se
mantém sob rigoroso auto- controle, e nunca manifesta seus sentimentos mais
fortes. Entretanto, não existem boas ou más emoções. As emoções são apenas
emoções. Elas resultam de toda uma gama de elementos que procedem de nossa
personalidade. Nenhuma emoção, em si mesma, é pecaminosa. A maneira como agimos
perante elas é que determinará se são erradas ou certas. A maneira como as
dirigimos, determinará se elas nos conduzirão para o pecado ou para a justiça.
As emoções, em si mesmas, são um aspecto muito importante de nossa constituição
pessoal, que nos é dada por Deus.
Uma emoção que o super “eu”
geralmente considera errada é a raiva. Aprendi desde pequeno, uma noção
desumana, anti-bíblica e altamente destrutiva de que a raiva sempre é uma
emoção pecaminosa. Levei muitos anos para livrar-me dessas atitudes. Elas quase
destruíram minha vida espiritual e meu casamento, pois tive que aprender a
expressar minha raiva de maneira aceitável.
Em Marcos 3.5, lemos que
Jesus olhou “ao redor indignado”. Embora este seja o único texto do Novo
Testamento que diz diretamente que Jesus se irou, podemos inferir, com toda
segurança, que ele teve raiva também quando expulsou os vendilhões do templo e
quando chamou algumas pessoas de “Insensatos e cegos”, “sepulcros caiados”,
assassinos”, “serpentes e hipócritas” (Mateus 2.3). Jesus nunca foi mais divino
do que nesses momentos em que manifestava uma ira ardente. Muitas vezes o amor
anda de mãos dadas com a ira; e, na verdade, a ira resulta do perfeito amor.
Por vezes temos um
estratagema semântico (ressignificação ou racionalização) que parece muito
adequado, mas que confunde as pessoas. Nós dizemos: _ Ah!, isso não é raiva; é
ira santa. Porque não falamos abertamente e dizemos que existe um modo correto
de usar a ira, e que a raiva, em si mesma, não é uma emoção pecaminosa? Seria
bem menos confuso.
O que realmente importa é a
maneira como agimos com ela; o modo como a externamos e como a resolvemos. E
quando temos essa falsa imagem de nós mesmos, este super “eu” que não pode ter
nem expressar nenhum sentimento de raiva, tornamo-nos perfeitos receptáculos para
distúrbios emocionais e depressão. Não devemos confundir, porém, raiva com
ressentimento, pois são duas coisas totalmente diversas. Uma raiva controlada e
expressa da maneira correta é uma coisa; descontrolada e expressa de modo
errado é outra. O ressentimento, por sua vez, é a raiva contida. O apóstolo
Paulo fez uma distinção bem nítida entre a raiva certa e o ressentimento. Ele
comparou a raiva com o ódio, malícia, amargura e todas essas coisas, fazendo
diferença entre elas. É interessante notar que ele usa um tom imperativo ao
falar da ira. Irai-vos e não pequeis (Epístolas.4.26). O que Paulo disse não foi: “está bem, vou
permitir que vocês fiquem com raiva de vez em quando, para lhes fazer uma
concessão.” O que ele ordenou foi: irem-se, tenham raiva... Mas logo
acrescentou:_ “Mas tenham muito cuidado.” Ele sabia que a raiva pode nos levar
a ressentimentos, malícias e amarguras, se não for controlada com muito
cuidado. O que Paulo estava dizendo era o seguinte. “Expressem sua raiva, mas
cuidado para que ela não os leve à amargura, ressentimentos ou ódio.” E o mais
estranho em tudo isto é que, se não aprendermos a externar nossa ira
completamente e a resolver a dificuldade, poderemos tornar-nos ressentidos e
amargos. Muitos casamentos estão sendo destruídos porque os cônjuges não
aprenderam a externar sua raiva de maneira certa. Estão deixando a coisa ferver
em fogo baixo, com a tampa por cima, encobrindo uma porção de sentimentos
negativos, mas depois procuram tirar desforras com mil e uma represálias sutis.
Irem-se, mas tenham cuidado.
Quando não sabemos a maneira correta de externar a raiva, ela se transforma em
ressentimento e amargura. É isto o que acontece com o perfeccionista que não se
dá o direito de expressar sua raiva; que não dá a si mesmo o direito nem de
reconhecer que está com raiva. Ele a reprime e a sufoca bem no fundo do seu
ser, e ela fica ali fervilhando e envenenando sua alma, para depois
manifestar-se sob a forma de problemas emocionais, conflitos conjugais e até
doença física.
A raiva é uma emoção
colocada por Deus no coração humano e é parte da imagem de Deus no homem, para
ser utilizada com fins construtivos. Ela é uma força capaz de superar
obstáculos, vencer desafios, abrir caminhos, transformar e transformar-se em
garra e capacidade de auto-realização.
O SUPER “EU” E OS
CONFLITOS
O super “eu” pensa que temos
que nos relacionar com os outros sempre
muito bem, que temos que ser amados por todos,
e que nunca pode existir nenhum
conflito entre cristãos.
O perfeccionista que fizer
uma visita a um grupo de missionários terá grande choque, pois logo perceberá
que os missionários têm mais dificuldades de relacionamento entre si do que os
incrédulos, que estão buscando converter. Vemos isto em nossos próprios locais
de reunião cristã. Mas ainda assim, persiste o mito do perfeccionista. “Mas eu
tenho que ser perfeito.”
Embora seja fato que não
podemos trabalhar com todo mundo sem conflitos, isto não quer dizer que temos o
direito de ficar ressentidos com quem quer que seja. Isto não significa também,
que podemos odiar as pessoas ou ficar amargurados. Mas quer dizer que não temos, obrigatoriamente, que nos sentir bem e
à vontade na companhia de todo mundo. E não permita que seu super “eu” se torne
um demoniozinho sempre a dizer-lhe. _”Bom, se você não está conseguindo se
relacionar bem como os outros a culpa é toda sua. O problema é você mesmo. Se
resolvesse esta questão, poderia relacionar-se melhor!
Paulo nunca disse. “Quem for
cheio do Espírito Santo conseguirá viver com todo mundo pacificamente e em harmonia. O que ele
disse foi: “Se possível, quando depender de vós, tende paz com todos os homens
(Romanos 12/18). O problema pode estar na outra pessoa.
O verdadeiro “eu” enfrenta
muitas diferenças, conflitos e ama os outros e se interessa por eles o
suficiente para confrontá-los com uma atitude de amor. Mas o verdadeiro “eu”
sabe também que, às vezes, a melhor e única solução para certos problemas é, no
dizer de Stanley Jones: “ Concordar em que é preciso discordar harmonicamente.”
Discordar harmonicamente significa aceitar que o outro tenha direito de pensar
diferente, o que, por sua vez, dá também à pessoa, o direito e a liberdade de
divergir e ter opinião própria, realizando o seu verdadeiro eu.
O SUPER “EU” E A FELICIDADE
O super “eu” acredita no
seguinte mito: “Tenho que estar sempre super-feliz.” Mas você está sempre
feliz? Nunca fica triste? Está sempre borbulhando de alegria e dizendo: “Glória
a Deus? Nunca passa por lutas? Não existe nunca um momento em que o céu parece
de ferro? Não há ocasiões em que você faz as coisas simplesmente por dever, sem
sentir nenhuma alegria?
No Jardim de Gesêmani, Jesus
disse aos discípulos o seguinte: “A minha alma está profundamente triste até a
morte.” Ele estava se contorcendo no chão; estava transpirando abundantemente
numa terrível luta interior entre suas emoções e sua vontade. Suas emoções
diziam: _”Pai, tu podes todas as coisas; passa de mim este cálice, se for
possível...” Mas a sua vontade, que estava firme como um íma voltado para o
Polo Norte, dizia: “Contudo, não se faça a minha vontade, mas a Tua.” E este
tipo de luta, por vezes, nos deixa com a alma profundamente perturbada.
A felicidade não depende
muito do que acontece conosco, de situações exteriores que se acham fora de
nosso controle. Depende do Cristo presente em nós – O Cristo em nós fala de uma
condição interior que tem a ver com a nossa situação pessoal e não, com as
circunstâncias que nos cercam. A Presença Crística é aquela calma interior
situada no núcleo central de uma tempestade. Nossos sentimentos podem ser
tempestuosos, mas pode haver em nosso interior um senso de retidão em relação à
vontade de Deus (programação). Mas isto não quer dizer que temos que sair por
aí, com as nossas máscaras (persona) de super “eus”, sorrindo sempre, dentes
brilhantes, glorificando a Deus.
O REALISMO DO VERDADEIRO
“EU”
Nós cristãos, podemos ser
realistas. Isto quer dizer que não precisamos ter medo de enfrentar o pior, o
que há de mais terrível e mais doloroso. Não precisamos ter medo de expressar
nossos sentimentos de tristeza, dor, mágoa, solidão, dificuldades e até mesmo,
depressão. Por vezes, podemos até experimentar fortes sensações de depressão,
como a que Elias teve após seu grande momento de triunfo: _ “Ó, Senhor, para
mim basta. Quero morrer.”
A vida de Jesus expressa uma
autenticidade, uma sinceridade muito constante. Todas as suas emoções são
registradas claramente e expressar com toda liberdade, sem nenhuma indicação de
vergonha, senso de culpa ou de imperfeição. Tomemos como exemplo as atitudes de
Jesus e não um super “eu” criado pela imaginação. Não precisamos ter medo de
expressar nossos verdadeiros sentimentos e sermos o nosso verdadeiro “eu” em
Cristo (nossos Cristos Internos).
Quando desperdiçamos nosso
tempo e energia procurando ser super “eus” estamos nos privando do
desenvolvimento e da amizade de Deus. Nunca deixamos que Deus aceite e ame o
nosso verdadeiro “eu”. E esse é o único “eu” que Deus realmente conhece e vê. O
super “eu”, na verdade, é uma ilusão da nossa imaginação, uma falsa imagem, um
ídolo. Nem tenho muita certeza se Deus vê este nosso super “eu”. Em Cristo,
podemos ser nós mesmos, sem necessidade de nos compararmos com os outros. Ele
quer nos curar e nos transformar, para que o verdadeiro “eu” possa se
desenvolver e então possamos chegar a ser como Ele deseja que sejamos.
O super “eu” custa muito
para morrer. E o super “eu” religioso é mais difícil ainda. Se você perceber
que está se agarrando a ele com força, espero que ouça a voz do Espírito Santo
a dizer-lhe: “Abandone-o.. Largue-o.. Só depois disso é que eu e você poderemos
iniciar todo o processo de cura, para a formação do seu verdadeiro “eu”.
Quando você parar de
desperdiçar suas energias espirituais, com o seu esforço para manter este falso
super “eu” e começar a usá-las em cooperação com o Espírito Santo para o seu
verdadeiro crescimento, verá que estará livre em Cristo; liberto do senso de
obrigatoriedade que o impedia de ser você mesmo. Você estará acima da aprovação
ou desaprovação dos outros. Livre da terrível sensação de condenação devida à
lacuna existente entre o que você deseja ser e o que realmente é. E o que
preenche esta lacuna? Tenho uma revelação para você: Todas as perfeições de
Jesus, o verdadeiro, super-homem de Deus, estão à nossa disposição como um Dom
gratuito Dele e estas perfeições dão de sobre para preencher as lacunas de
nossas vidas.
Paulo disse isto muito bem,
quando escreveu. “Mas vós sois Dele, em Cristo, o qual se nos tornou da parte
de Deus com sabedoria e justiça e santificação (Coríntios 1.30)
[1] Texto de
autoria do Pastor David Semands, do Livro Cura para os Traumas Emocionais: Texto de autoria do Pastor David Semands, do livro Cura para os Traumas Emocionais https://www.casadabibliaonline.com/livro-cura-para-os-traumas-emocionais-2012/p