quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O SUPER "EU" E O VERDADEIRO "EU" - Texto Complementar VII



       O perfeccionista precisa aprender a ser como realmente é em Cristo. Contudo quando se dispõe a ser como é de verdade, ele se depara com suas piores falhas e precisa de um tratamento mais incisivo e de uma reprogramação mais drástica.


        A mais terrível conseqüência do perfeccionismo talvez seja a alienação do verdadeiro “eu”. Vejamos como se inicia esta trágica perda e como se dá.
       Durante todo o processo de crescimento, a criança recebe informações sobre si mesma, sobre Deus e sobre outras pessoas, bem como seu relacionamento, com elas. Estas informações são dadas de forma direta, ou captadas por ela, intuitivamente. A criança recebe impressões diretamente através de palavras e ações, mas também pelo que se deixa de dizer ou fazer. Geralmente, é a soma de vários fatores. E o pequenino está sempre recebendo mensagens num processo lento mas constante, e bastante inconsciente. Então, aquele que recebe mensagens negativas chega à seguinte conclusão: “Não sou aceito nem amado do modo como sou. Já tentei todos os meios de obter a aprovação dos outros, sendo como sou. Agora só poderei ser aceito e amado se me tornar diferente, outra pessoa.” É óbvio que a criança não se senta, pensa e conclui isto. Ela nem se dá conta do que está se passando, isto é, que não está sendo satisfeita em suas necessidades básicas mais profundas, necessidades criadas por Deus (registros inconscientes) e que são essenciais ao desenvolvimento do ser humano. Ela nunca experimenta sentimentos de que precisa muito, sentimentos como segurança, aceitação, ajustamento e valor próprio. A necessidade que tem de ser amada e de amar a outras também nunca é satisfeita. Em vez disso, forma-se nela uma crescente e profunda ansiedade, bem como sentimentos de insegurança, desvalor e rejeição. E é assim, então, que o adolescente começa a longa e tortuosa caminhada para tornar-se outra pessoa.
       A tragédia disso tudo é que a Individualidade daquela pessoa, a individualidade por Deus projetada para ela não tem oportunidade de se desenvolver. Seus talentos próprios não são expressos. Seu verdadeiro “eu” é sufocado ou rejeitado e no lugar dele aparece um falso “eu”. Assim todas as energias espirituais que deveriam ser canalizadas para a formação de uma personalidade própria, de acordo com a Individualidade planejada por Deus, são desviadas para criar uma imagem falsa idealizada pela pessoa. Infelizmente, este processo de autodestruição não é detido quando a pessoa aceita uma religião. O perdão, a amorosa aceitação de Deus e a sua misericórdia penetram apenas algumas das camadas mais externas deste “eu” irreal, imprimindo-lhe um novo espírito de sinceridade. Mas quando a distorção da personalidade é mais grave e as emoções sofreram traumas fortes, é necessário haver uma cura mais profunda, pois muitas, vezes, aquele falso eu passa também para a vida espiritual e se ajusta às novas experiências religiosas.

O SUPER “EU” VERSUS O VERDADEIRO “EU”

       O que são o super “eu” e o verdadeiro “eu”? O super “eu” é uma imagem falsa, idealizada, que acreditamos precisar ter para sermos aceitos e amados pelos outros. O super “eu” é uma idéia imaginária que temos de nós mesmos. O que acontece é que fomos levados a crer que, se fôssemos nós mesmos, e se os outros nos conhecessem como somos, não nos amariam, e então nos esforçamos para nos tornarmos esse super “eu”, a fim de conquistarmos o amor e a aceitação dos outros. E ainda estendemos este tipo de raciocínio distorcido até Deus, que é Perfeição Absoluta, que exige perfeição, e a quem só podemos mostrar nosso lado bom. Só podemos deixar que Deus veja o nosso super “eu” e nunca, o nosso verdadeiro “eu”.
       Quando você entra na presença de Deus, em oração ou meditação, qual dos dois “eus” você Lhe mostra?
       Existem muitas maneiras sutis de apresentarmos a Deus o nosso super “eu”, e ocultarmos o verdadeiro. Uma destas maneiras é a FUTURÍSTICA. “Bem, Senhor, tu sabes disto e eu também o sei. Ainda não sou este super “eu”, mas algum dia o serei. Algum dia serei este super-cristão. Algum dia vou orar muito, ler muito e fazer coisas maravilhosas para ti. Algum dia serei como esta imagem idealizada que tenho de mim. Serei o super “eu”. Então, Senhor, não ligues para este verdadeiro “eu”. Ele é apenas temporário. Olhe para aquele “eu” que ainda vou ser.
       Existe também a maneira PENITENTE. E é assim que o perfeccionista adquire a imagem própria negativa e até o auto-desprezo. Diz ele: “Bem, Senhor, não olhe para o meu verdadeiro “eu”, com todos estes pecados, falhas e imperfeições. Não olhe para ele, pois está vendo o quanto desprezo este meu verdadeiro “eu”, não estás? E acredito que tu também desprezas este meu verdadeiro “eu”, com todas as minhas falhas e imperfeições. Mas tu sabes quais são as minhas metas, Senhor. Já que Tu odeias este meu verdadeiro “eu”, como eu odeio, podes ver que estamos do mesmo lado e, portanto, sou realmente o super “eu”. E deste modo, sutilmente, a auto-depreciação se torna uma perpétua mortificação para impressionar a Deus. Então esperamos que Ele nunca veja o nosso verdadeiro “eu”, mas olhe somente para o nosso super “eu”. E como pensamos que deus não tolera este nosso verdadeiro “eu”, feio e horripilante, e como estamos sempre dizendo a ele que também não o suportamos, ele deve estar muito impressionado como nossos altos valores, deve perceber como realmente somos e, portanto, aceitar-nos e amar-nos. O mal disto é que o nosso verdadeiro “eu” ficou emocionalmente preso em algum nível da infância e é por isso que nossa personalidade, às vezes, produz atitudes tão infantis. Ficamos parados em algum ponto do passado; nunca crescemos realmente. É claro que fisicamente temos o corpo de um adulto, mas espiritual e emocionalmente, vivemos num plano de imaturidade.

O SUPER “EU” E OS SENTIMENTOS

       É na área das emoções que o perfeccionista encontra seus problemas mais sérios, porque a imagem do super “eu” não admite certos sentimentos. Geralmente, ele tem uma imagem de Jesus que não é bíblica, de um Jesus manso, suave, dócil. É um Jesus mole demais, um ser estóico, que suporta tudo e nunca exterioriza suas emoções. Então, ele se mantém sob rigoroso auto- controle, e nunca manifesta seus sentimentos mais fortes. Entretanto, não existem boas ou más emoções. As emoções são apenas emoções. Elas resultam de toda uma gama de elementos que procedem de nossa personalidade. Nenhuma emoção, em si mesma, é pecaminosa. A maneira como agimos perante elas é que determinará se são erradas ou certas. A maneira como as dirigimos, determinará se elas nos conduzirão para o pecado ou para a justiça. As emoções, em si mesmas, são um aspecto muito importante de nossa constituição pessoal, que nos é dada por Deus.
       Uma emoção que o super “eu” geralmente considera errada é a raiva. Aprendi desde pequeno, uma noção desumana, anti-bíblica e altamente destrutiva de que a raiva sempre é uma emoção pecaminosa. Levei muitos anos para livrar-me dessas atitudes. Elas quase destruíram minha vida espiritual e meu casamento, pois tive que aprender a expressar minha raiva de maneira aceitável.
       Em Marcos 3.5, lemos que Jesus olhou “ao redor indignado”. Embora este seja o único texto do Novo Testamento que diz diretamente que Jesus se irou, podemos inferir, com toda segurança, que ele teve raiva também quando expulsou os vendilhões do templo e quando chamou algumas pessoas de “Insensatos e cegos”, “sepulcros caiados”, assassinos”, “serpentes e hipócritas” (Mateus 2.3). Jesus nunca foi mais divino do que nesses momentos em que manifestava uma ira ardente. Muitas vezes o amor anda de mãos dadas com a ira; e, na verdade, a ira resulta do perfeito amor.
       Por vezes temos um estratagema semântico (ressignificação ou racionalização) que parece muito adequado, mas que confunde as pessoas. Nós dizemos: _ Ah!, isso não é raiva; é ira santa. Porque não falamos abertamente e dizemos que existe um modo correto de usar a ira, e que a raiva, em si mesma, não é uma emoção pecaminosa? Seria bem menos confuso.
       O que realmente importa é a maneira como agimos com ela; o modo como a externamos e como a resolvemos. E quando temos essa falsa imagem de nós mesmos, este super “eu” que não pode ter nem expressar nenhum sentimento de raiva, tornamo-nos perfeitos receptáculos para distúrbios emocionais e depressão. Não devemos confundir, porém, raiva com ressentimento, pois são duas coisas totalmente diversas. Uma raiva controlada e expressa da maneira correta é uma coisa; descontrolada e expressa de modo errado é outra. O ressentimento, por sua vez, é a raiva contida. O apóstolo Paulo fez uma distinção bem nítida entre a raiva certa e o ressentimento. Ele comparou a raiva com o ódio, malícia, amargura e todas essas coisas, fazendo diferença entre elas. É interessante notar que ele usa um tom imperativo ao falar da ira. Irai-vos e não pequeis (Epístolas.4.26).  O que Paulo disse não foi: “está bem, vou permitir que vocês fiquem com raiva de vez em quando, para lhes fazer uma concessão.” O que ele ordenou foi: irem-se, tenham raiva... Mas logo acrescentou:_ “Mas tenham muito cuidado.” Ele sabia que a raiva pode nos levar a ressentimentos, malícias e amarguras, se não for controlada com muito cuidado. O que Paulo estava dizendo era o seguinte. “Expressem sua raiva, mas cuidado para que ela não os leve à amargura, ressentimentos ou ódio.” E o mais estranho em tudo isto é que, se não aprendermos a externar nossa ira completamente e a resolver a dificuldade, poderemos tornar-nos ressentidos e amargos. Muitos casamentos estão sendo destruídos porque os cônjuges não aprenderam a externar sua raiva de maneira certa. Estão deixando a coisa ferver em fogo baixo, com a tampa por cima, encobrindo uma porção de sentimentos negativos, mas depois procuram tirar desforras com mil e uma represálias sutis.
       Irem-se, mas tenham cuidado. Quando não sabemos a maneira correta de externar a raiva, ela se transforma em ressentimento e amargura. É isto o que acontece com o perfeccionista que não se dá o direito de expressar sua raiva; que não dá a si mesmo o direito nem de reconhecer que está com raiva. Ele a reprime e a sufoca bem no fundo do seu ser, e ela fica ali fervilhando e envenenando sua alma, para depois manifestar-se sob a forma de problemas emocionais, conflitos conjugais e até doença física.
       A raiva é uma emoção colocada por Deus no coração humano e é parte da imagem de Deus no homem, para ser utilizada com fins construtivos. Ela é uma força capaz de superar obstáculos, vencer desafios, abrir caminhos, transformar e transformar-se em garra e capacidade de auto-realização.

O SUPER “EU” E OS CONFLITOS

       O super “eu” pensa que temos que nos relacionar com os outros sempre muito bem, que temos que ser amados por todos, e que nunca pode existir nenhum conflito entre cristãos.
       O perfeccionista que fizer uma visita a um grupo de missionários terá grande choque, pois logo perceberá que os missionários têm mais dificuldades de relacionamento entre si do que os incrédulos, que estão buscando converter. Vemos isto em nossos próprios locais de reunião cristã. Mas ainda assim, persiste o mito do perfeccionista. “Mas eu tenho que ser perfeito.”
       Embora seja fato que não podemos trabalhar com todo mundo sem conflitos, isto não quer dizer que temos o direito de ficar ressentidos com quem quer que seja. Isto não significa também, que podemos odiar as pessoas ou ficar amargurados. Mas quer dizer que não  temos, obrigatoriamente, que nos sentir bem e à vontade na companhia de todo mundo. E não permita que seu super “eu” se torne um demoniozinho sempre a dizer-lhe. _”Bom, se você não está conseguindo se relacionar bem como os outros a culpa é toda sua. O problema é você mesmo. Se resolvesse esta questão, poderia relacionar-se melhor!
       Paulo nunca disse. “Quem for cheio do Espírito Santo conseguirá viver com todo mundo pacificamente e em harmonia. O que ele disse foi: “Se possível, quando depender de vós, tende paz com todos os homens (Romanos 12/18). O problema pode estar na outra pessoa.
       O verdadeiro “eu” enfrenta muitas diferenças, conflitos e ama os outros e se interessa por eles o suficiente para confrontá-los com uma atitude de amor. Mas o verdadeiro “eu” sabe também que, às vezes, a melhor e única solução para certos problemas é, no dizer de Stanley Jones: “ Concordar em que é preciso discordar harmonicamente.” Discordar harmonicamente significa aceitar que o outro tenha direito de pensar diferente, o que, por sua vez, dá também à pessoa, o direito e a liberdade de divergir e ter opinião própria, realizando o seu verdadeiro eu.

O SUPER “EU” E A FELICIDADE

       O super “eu” acredita no seguinte mito: “Tenho que estar sempre super-feliz.” Mas você está sempre feliz? Nunca fica triste? Está sempre borbulhando de alegria e dizendo: “Glória a Deus? Nunca passa por lutas? Não existe nunca um momento em que o céu parece de ferro? Não há ocasiões em que você faz as coisas simplesmente por dever, sem sentir nenhuma alegria?
       No Jardim de Gesêmani, Jesus disse aos discípulos o seguinte: “A minha alma está profundamente triste até a morte.” Ele estava se contorcendo no chão; estava transpirando abundantemente numa terrível luta interior entre suas emoções e sua vontade. Suas emoções diziam: _”Pai, tu podes todas as coisas; passa de mim este cálice, se for possível...” Mas a sua vontade, que estava firme como um íma voltado para o Polo Norte, dizia: “Contudo, não se faça a minha vontade, mas a Tua.” E este tipo de luta, por vezes, nos deixa com a alma profundamente perturbada.
       A felicidade não depende muito do que acontece conosco, de situações exteriores que se acham fora de nosso controle. Depende do Cristo presente em nós – O Cristo em nós fala de uma condição interior que tem a ver com a nossa situação pessoal e não, com as circunstâncias que nos cercam. A Presença Crística é aquela calma interior situada no núcleo central de uma tempestade. Nossos sentimentos podem ser tempestuosos, mas pode haver em nosso interior um senso de retidão em relação à vontade de Deus (programação). Mas isto não quer dizer que temos que sair por aí, com as nossas máscaras (persona) de super “eus”, sorrindo sempre, dentes brilhantes, glorificando a Deus.

O REALISMO DO VERDADEIRO “EU”

       Nós cristãos, podemos ser realistas. Isto quer dizer que não precisamos ter medo de enfrentar o pior, o que há de mais terrível e mais doloroso. Não precisamos ter medo de expressar nossos sentimentos de tristeza, dor, mágoa, solidão, dificuldades e até mesmo, depressão. Por vezes, podemos até experimentar fortes sensações de depressão, como a que Elias teve após seu grande momento de triunfo: _ “Ó, Senhor, para mim basta. Quero morrer.”
       A vida de Jesus expressa uma autenticidade, uma sinceridade muito constante. Todas as suas emoções são registradas claramente e expressar com toda liberdade, sem nenhuma indicação de vergonha, senso de culpa ou de imperfeição. Tomemos como exemplo as atitudes de Jesus e não um super “eu” criado pela imaginação. Não precisamos ter medo de expressar nossos verdadeiros sentimentos e sermos o nosso verdadeiro “eu” em Cristo (nossos Cristos Internos).
       Quando desperdiçamos nosso tempo e energia procurando ser super “eus” estamos nos privando do desenvolvimento e da amizade de Deus. Nunca deixamos que Deus aceite e ame o nosso verdadeiro “eu”. E esse é o único “eu” que Deus realmente conhece e vê. O super “eu”, na verdade, é uma ilusão da nossa imaginação, uma falsa imagem, um ídolo. Nem tenho muita certeza se Deus vê este nosso super “eu”. Em Cristo, podemos ser nós mesmos, sem necessidade de nos compararmos com os outros. Ele quer nos curar e nos transformar, para que o verdadeiro “eu” possa se desenvolver e então possamos chegar a ser como Ele deseja que sejamos.
       O super “eu” custa muito para morrer. E o super “eu” religioso é mais difícil ainda. Se você perceber que está se agarrando a ele com força, espero que ouça a voz do Espírito Santo a dizer-lhe: “Abandone-o.. Largue-o.. Só depois disso é que eu e você poderemos iniciar todo o processo de cura, para a formação do seu verdadeiro “eu”.
       Quando você parar de desperdiçar suas energias espirituais, com o seu esforço para manter este falso super “eu” e começar a usá-las em cooperação com o Espírito Santo para o seu verdadeiro crescimento, verá que estará livre em Cristo; liberto do senso de obrigatoriedade que o impedia de ser você mesmo. Você estará acima da aprovação ou desaprovação dos outros. Livre da terrível sensação de condenação devida à lacuna existente entre o que você deseja ser e o que realmente é. E o que preenche esta lacuna? Tenho uma revelação para você: Todas as perfeições de Jesus, o verdadeiro, super-homem de Deus, estão à nossa disposição como um Dom gratuito Dele e estas perfeições dão de sobre para preencher as lacunas de nossas vidas.
       Paulo disse isto muito bem, quando escreveu. “Mas vós sois Dele, em Cristo, o qual se nos tornou da parte de Deus com sabedoria e justiça e santificação (Coríntios 1.30)

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