Naquele dia, a
brisa suave acariciava as pequenas folhas das oliveiras. Eu caminhava entre
elas, com minhas vestes simples de camponesa, segurando o cesto onde mais tarde
recolheria os frutos, selecionando-os para que produzissem bom azeite. Meu pai
ordenara que eu assim o fizesse e eu o obedecia, zelosa. Eu contava, na época,
cerca de doze ou treze anos e jamais poderia imaginar que vivia o período mais
importante da história religiosa da humanidade. Era, hoje o sei, o ano 33 da
era cristã. Meus pais e eu já havíamos ouvido falar de um Rabi chamado Joshua,
que vinha despertando a atenção de muitos para os seus ensinamentos. Por onde
caminhava, uma multidão sempre o seguia e isto despertava a curiosidade de
todos, o que gerava polêmicas e comentários diversos, para descontentamento das
autoridades, que viam naquilo um risco de revolta contra a submissão ao poder
de Roma. Meu pai, como produtor de azeite, temia que seus negócios fossem
afetados, caso surgisse um conflito com armas, colocando nossas terras a mercê
de saqueadores. Eu ouvia estas conversas entre meu pai e meu tio, sempre
escondida, porque estes assuntos não eram permitidos às mulheres. Ouvira-os
falarem, na noite anterior, sobre a intenção de levar-nos todos, para ver o
jovem Rabi, que percorrera muitas terras e agora voltara para a Galiléia. E
este dia chegara. Eu procurava cumprir as ordens de meu pai à risca, temerosa
de que ele me impedisse de ir, por alguma insatisfação que eu lhe provocasse e
aguardava o grande momento.
Quando voltei
a casa, todos já estavam se aviando para a caminhada até o monte onde o Mestre
faria um sermão e curaria enfermos, maravilhando a todos que o viam. Minha
mente e meu coração, ainda jovens, ansiavam em grande expectativa. Seguindo
atrás de meus pais e irmão, eu permanecia silenciosa, atenta ao que os mais
velhos comentavam. Quando nos aproximamos do local, uma grande multidão já o
esperava. O Mestre veio caminhando por entre o povo e passou a uma pequena distância
de onde eu me encontrava. Ele demonstrava uma leveza pouco comum aos homens
daqueles tempos. Mesmo com a veste simples de algodão que o cobria por inteiro,
Sua Imagem era de nobreza e grandiosidade, Sua Voz era doce e suave e Seu Olhar, cândido como o do cordeiro. A Sua Presença nos magnetizava e parecia
impossível desviarmos Dele nossos olhos. Subindo até a parte mais alta daquela
colina, ele falou, com sua voz doce e suave, as palavras mais lindas que eu já
ouvira em minha vida. Ele prometia consolo aos que sofriam e falava de um tipo
de amor bem pouco comum naqueles tempos de ódio e dominação, em que a vida
humana parecia valer tão pouco. Enquanto Ele falava, a multidão silenciosa,
presa ao seu magnetismo, parecia mergulhar dentro de si mesma, onde, hoje,
acredito, pensamentos e sentimentos inferiores, produzidos pela ignorância
extrema, geravam tanta discórdia e sofrimento entre os homens.
Ao entardecer,
voltei para casa com meus pais, novamente caminhando silenciosa atrás deles,
procurando entender aquele mundo que o Rabi nos prometia e que contrastava
tanto com a realidade com a qual convivíamos. Meu coração, ainda ingênuo,
encheu-se de esperança e eu fiquei imaginando como seria bom que num breve
tempo, todos pudessem viver com a paz e a harmonia que eu agora vislumbrava
serem possíveis. Naquela noite, meus sonhos foram embalados pelos mais doces
sentimentos, transmitidos pelo Mestre, e o meu coração parecia ter sido
alimentado por todo o Amor que Ele transmitia às pessoas. Acrescia-se a isto a
feliz notícia de que por ocasião da Páscoa, iríamos a Jerusalém, visitar alguns
parentes, o que significava que eu poderia ver o Mestre novamente.
Chegada a
grande data, todos os preparativos estavam a termo e a viagem foi iniciada com
grande expectativa de minha parte. Eu não conhecia Jerusalém e, na minha idade,
qualquer acontecimento era uma grande novidade para mim, menina simples do
campo. Muito me surpreendi com a movimentação de pessoas na grande cidade. Mas
havia algo estranho no ar. Meu pai mostrava-se apreensivo após conversar com os
outros homens da família, logo depois que chegamos. As notícias não eram nada
boas. O povo estava muito insatisfeito e havia um grande risco de convulsão.
Muito assustada, soube que o Mestre Joshua havia sido preso e que seria julgado
diante do grande Pilatos, ainda naquele mesmo dia. Não tive permissão para ir e
fiquei na casa de meu tio, junto com todas as outras mulheres da família. Elas
também se mostravam muito tristes. Eu não compreendia direito porque as
palavras tão bonitas do Rabi não haviam sido compreendidas pelos adultos.
Pareciam tão simples! Tão verdadeiras para o meu coração de criança!
Quando os
homens de nossa família voltaram, traziam terríveis notícias. O Rabi de olhar
doce seria crucificado no monte Gólgota. Todos então seguiram para lá e, tomada
de intensa angústia, eu segui atrás deles, como em todas as vezes que eles
autorizavam a minha presença. No caminho, encontramos muitas outras pessoas,
igualmente aflitas. Parecia que o grande sonho de liberdade de nosso povo
estava terminando. Algumas mulheres choravam, enxugando seus rostos nos mantos.
Eu me espremia entre elas, até que chegamos a uma ladeira, onde a multidão
abria caminho para o condenado. Lá estava o Mestre. O Doce Mestre Joshua, que
dizia tão lindas palavras e tanto bem fizera aos que o procuravam com fé.
Olhando por entre os adultos, eu pude vê-lo de relance. Seus olhar agora era de
profunda dor. Seu rosto sangrava e em certo momento ele caiu ao chão. Uma
mulher se aproximou para dar-lhe um pouco d’água e logo um guarda interveio,
chutando o caneco para longe. Não sei se poderei descrever todo o horror que
tomou conta do meu corpo. Eu estava aturdida. Tonta. Parecia mais sofrimento do
que eu poderia suportar em minha breve existência. Todos, a minha volta, também
pareciam sofrer muito. Eu já havia me perdido de meus familiares, mas seguia
com a multidão naquele cortejo de morte. Parecíamos presos àquelas cenas
infames. Nem percebi o esforço da subida, tão envolvida estava naquele momento.
Quando chegamos ao monte, fechei meus olhos para não ver o Mestre sendo pregado
na cruz, mas meus ouvidos registraram as batidas secas do martelo, como uma
sentença sendo lavrada no meio da multidão silenciosa. Não havia mais o que se
fazer. Eu sentia que todos gostariam de libertá-lo daquele sofrimento, mas
ninguém podia fazer nada. Absolutamente nada. E os nossos sonhos de paz e
harmonia? Estava tudo perdido! Parecíamos todos condenados a uma vida de
sofrimento e desvalia. Nosso Salvador estava para morrer. Como isto era
possível?... As horas que se seguiram foram as mais terríveis e angustiosas que
se possa imaginar. Parecia que ele provocava a emergência dos sentimentos mais
contraditórios. Enquanto alguns o escarneciam em sua agonia de morte, outros
pareciam partilhar com ele aquele momento único. A agonia durou horas que
pareciam intermináveis. Depois, o céu se tornou escuro como a noite e um grande
temporal desabou sobre nós. A terra tremia de forma estranha e o Amado Mestre
espirou na cruz. Ainda tendo guardada em minha mente a imagem do seu corpo
preso ao madeiro, eu olhava aturdida para o chão, vendo O Sangue Divino
misturando-se a água que escorria como um regato pelo chão. Estávamos sendo
lavados dos nossos pecados, mas eu não tinha esta consciência. Acho que ali,
naquele momento, a maioria de nós não alcançava o significado daquela sublime
redenção. A natureza descarregava toda a sua ira e o ar parecia saturado de uma
força estranha que descia sobre o corpo inerte do Mestre. Mesmo envolvidos pelo
grande temporal, permanecemos também inertes, até que tudo tivesse acabado.
Parecia que nossas vidas também haviam se acabado. Nada mais fazia sentido...
Quando o
grande temporal terminou, o mundo estava mudo. Tudo estava mudo: O vento, os
pássaros, os animais da terra, os homens... Um silêncio total pairava no ar.
Olhando um pouco ao meu redor, vi meus pais e, silenciosamente me uni a eles.
Minha mãe abraçou-me, também silenciosa e assim voltamos para a casa de nossos
parentes. Ninguém falava absolutamente nada. Creio que a linguagem humana não
poderia descrever o que sentíamos naquele momento. Acho que nem mesmo os
adultos sabiam exatamente o que acontecera. Apenas, no mais fundo de nossas
almas, identificávamos um poder que se espalhava por toda parte, quedando as
criaturas. Aquela Páscoa foi muito estranha e, quando, alguns dias depois,
voltamos para a Galiléia, eu ainda não podia compreender o que sentia em
relação a tudo o que presenciara. Ninguém falava comigo e eu também não
procurava ninguém. Guardei dentro de mim aquela tristeza e ela me acompanhou
por toda a vida. Mesmo nos momentos em que eu poderia dizer que fui feliz,
pelos acontecimentos significativos de minha existência, jamais pude me
libertar do sentimento de perda que se instalou em mim diante daquela cruz.
Creio que este é o sentimento da Paixão, da dor atroz que marcou o coração de
todos os que viveram aquele dia... O dia em que o Mestre Joshua resgatou em sua
carne todos os pecados da humanidade; toda a energia mal qualificada, em termos
de pensamentos e sentimentos produzidos por uma humanidade ainda ignorante da
Grande Lei de Deus: O Amor. O Grande Amor Incondicional que O Mestre veio nos
ensinar; O Amor Ágape; o Amor Doação que a todos une e felicita.
Isto foi há
dois mil anos atrás...Quando iremos aprender?...
Nota: Este é um relato de
memórias transpessoais, vivenciado no consultório, em regressão espontânea.
(*) Sueli Meirelles - Pesquisadora de Fenômenos
Piscossomáticos e Psicoespirituais. WhatsApp: 55(22)99955-7166. Email suelimeirelles@gmail.com
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